quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Léxico Bíblico


ESCOLA MATER “ECCLESIAE”

Léxico Bíblico 

Vocábulos técnicos, específicos do linguajar exegético bíblico  

Gênero literário: conjunto de normas de estilo e de vocabulários que regem a explanação de determinado assunto. Assim, os textos de leis têm seu expressionismo e seu estilo próprio (claro e conciso); ao contrário, a poesia tem outro expressionismo (metafórico e reticente); uma carta familiar diferente, por seu linguajar, de uma carta comercial... – Como há gêneros literários na linguagem moderna, há-os também na linguagem bíblica; a consciência disto tornou-se clara aos cristãos a partir de fins do século passado (19); em conseqüência, hoje, quando o leitor está para abordar o texto bíblico, deve informar-se a respeito do respectivo gênero literário (será poesia?... parábola?...). Cada gênero literário, tendo suas regras de expressão próprias, tem também suas regras de interpretação particulares, de modo que não se pode entender um texto de leis como se entende uma poesia ou uma parábola.  

A definição do gênero literário de um determinado texto não se pode fazer arbitrariamente, mas deve obedecer a critérios científicos (exame das características do texto). 

Hagiógrafo: autor sagrado ou autor de algum livro bíblico. Um só livro pode ter mais de um autor ou hagiógrafo. 

Hermenêutica: arte de interpretar (hermeneuein, em grego). Interpretar é procurar compreender e explicar – o que tem de ser feito segundo critérios objetivos e não conforme opiniões ou pareceres subjetivos. Embora a Bíblia seja palavra de Deus, que tem eficácia santificadora própria, ela é a palavra de Deus encarnada na palavra do homem; por isso precisa de ser entendida primeiramente como o instrumento das ciências históricas e lingüísticas para se perceber o sentido da roupagem que a Palavra de Deus quis assumir. Só depois de depreender o que o autor sagrado tinha em vista exprimir com sua linguagem, é possível passar para o plano da fé e da teologia. 

Inferno: do latim infernus, adjetivo que vem de infra, abaixo. Inferno seria a região inferior, colocada debaixo da superfície da terra. Significaria o cheol dos judeus antigos. Na linguagem cristã, feita abstração de topografia ou de geografia do além, inferno significa o estado póstumo dos que renegaram consciente e voluntariamente a Deus. 

Inspiração bíblica: distingue-se da inspiração no sentido usual da palavra, pois não é ditado mecânico nem é comunicação de idéias que o homem ignorava. Inspiração bíblica é a iluminação da mente de um escritor para que, sob a luz de Deus, possa escrever, com as noções religiosas e profanas que possui, um livro portador de autêntica mensagem divina ou um livro que transmite fielmente o pensamento de Deus revestido de linguajar humano.

A finalidade da inspiração bíblica é religiosa, e não da ordem das ciências naturais.  

Toda a Bíblia é inspirada de ponta a ponta, em qualquer de suas partes.  

Certas passagens bíblicas, além de inspiradas, são também portadoras de revelação ou da comunicação de doutrinas que o autor sagrado não conhecia através da sua cultura (Deus é Pai, Filho e Espírito Santo, chamou-nos para o consórcio da sua vida, mandou-nos o Filho como Redentor, etc.).

A distinção entre inspiração bíblica e revelação se faz muito clara no livro de Jô. Este trata do sofrimento do homem justo; por que é abatido pela doença? O autor sagrado só tinha noção do cheol; ignorava a retribuição póstuma; Deus não lhe quis revelar a vida póstuma consciente; mas quis inspirá-lo para escrever o livro de Jô. Isto quer dizer que o autor procurou dentro dos limites da vida presente uma resposta para a questão do sofrimento dos justos. Não a encontrou porque só se elucida a luz da ressurreição e da vida póstuma, consciente. Em conseqüência, o hagiógrafo pode dizer que o sofrimento nem sempre supõe pecados pessoais, como se fosse um castigo. (o que já era um progresso na mentalidade de Israel); quanto ao mais, terminou pedindo o silêncio do homem diante do mistério da dor; é certo que Deus é mais sábio do que o homem e não se engana, mas o homem não é capaz de abarcar os desígnios de Deus. Esta conclusão é plenamente válida, é digna de um livro inspirado; mas não contém a revelação da ressurreição dos mortos e da vida póstuma consciente, que só mais tarde teria lugar em Israel. Por último, Jesus nos revelou que o sofrimento, aceito em união com Ele, é Páscoa ou passagem para a ressurreição e a glória definitiva. 

Algo de semelhante se deu com o livro do Eclesiastes. É inspirado de ponta a ponta, mas não traz a revelação da vida póstuma consciente, sem a qual é impossível debater o problema da felicidade, que o hagiógrafo encara. Não obstante a conclusão do livro é verídica não só para um judeu, mas para um leitor cristão; cf. Ecl 12,13s. Ver revelação. 

Javé: é o nome com o qual Deus se revela a Moisés em Ex 3,14s. Pode ser interpretado de várias maneiras: a tradição dos judeus de Alexandria, muito dados a especulações filosóficas, traduziu Javé por ho on, Aquele que é; queriam indicar assim o Absoluto ou o Transcendente de Deus. Todavia parece que, segundo a concepção dos judeus da Palestina, menos propensos a elevações filosóficas, o nome Javé significa Aquele que é fiel, que acompanha o seu povo e lhe está sempre presente. 

Lei: na linguagem paulina designa freqüentemente a Tora ou a lei de Moisés de modo que, quando o Apóstolo censura a Lei (cf. Gl 2,6; 3,10.19), tem em vista não qualquer lei nem a boa ordem pública, mas a Lei de Moisés, que era um provisório preparativo da vinda do Cristo. 

Messias: vocábulo hebraico que significa Ungido; foi traduzido para o grego por Christós. Eram ungidos os reis de Israel        (cf. I Sm 10,1; 16,13; 2 Sm 2,4...), que por isso traziam o nome de “Ungidos de Javé”. A unção significa relação particular entre o Senhor Deus e o ungido, que assim era revestido de autoridade especial e inviolável (cf. I Sm 24,7; 26,9.11...). Ungidos eram também os sacerdotes em Israel (cf. Ex 28,41; Lv 10,7; Nm 3,3). Aos profetas se aplicava uma unção não em sentido próprio, mas em sentido metafórico (cf. I Rs 19,19; II Rs 2,9-15). – Visto que o Salvador prometido Gn 3,15 seria Rei, filho de Davi (cf. II Sm 7,12-16), Sacerdote (cf. Hb 7,1-25; Gn 14,17-20) e Profeta, o título de Ungido lhe foi atribuído na literatura judaica e nos escritos do Novo Testamento (cf. Jo 1,41; 4,25). Jesus foi ungido com o Espírito Santo e com poder (At. 10,38); Ele mesmo aplicou a Si o texto de Is 61,1, apresentando-se como o Ungido que veio anunciar aos povos a Boa-Nova (cf. Lc 4,18-21). 

Com o tempo, a palavra Ungido, que era um adjetivo próprio, justaposto a Jesus; donde Jesus Cristo, e não Jesus o Cristo. 

Midraxe é uma narração de fundo histórico, ornamentada pelo autor sagrado para servir à instrução teológica e à edificação dos seus leitores. O autor conta o fato de modo a pôr em relevo o valor ou o significado religioso desse fato. A sua intenção não é estritamente a de um cronista, mas de um catequista ou teólogo. Como exemplo, citemos o caso do maná: em Nm 11,4-9 é apresentado como alimento insípido e pouco atraente; mas em Sb 16,20s é tido como cheio de sabor, adaptando-se ao paladar dos que comiam. Parece haver contradição; na verdade não a há: o autor de Nm escreve uma narração de cronista, ao passo que o de Sb nos apresenta o sentido teológico do maná num midraxe: o maná era pão delicioso não por seu paladar, mas porque era o penhor da entrada do povo na Terra Prometida; visto no contexto da história da salvação, o maná foi delicioso. 

Parábola: história fictícia que serve para ilustrar uma verdade teológica. É, pois, uma longa comparação; caracteriza-se pelas fórmulas “O reino dos céus é semelhante..., é como...”. A parábola nunca aconteceu. Deve-se interpretar a parábola procurando a linha mestra do seu ensinamento e transpondo tal mensagem para o plano da fé. Assim em Lc 15,11-32 a bondade do Pai para com o filho pródigo ilustra a misericórdia de Deus para com os pecadores; Lc 10,30-37 a solicitude caridosa do bom samaritano ilustra a maneira como devemos tratar o próximo, qualquer que seja a sua condição humana ou social. 

A alegoria carece da fórmula “é semelhante, é como...” Exprime diretamente o nexo entre o sujeito e o predicado: “Eu sou o bom Pastor” (Jo 10,11), “Eu sou a videira verdadeira” (Jo 15,1... Na alegoria os pormenores da imagem podem ser aplicados ao plano transcendental com mais rigor do que na parábola (esta geralmente fala apenas por seu fio condutor). 

Parusia: visita que o Imperador Romano fazia às cidades do Império; tal aparição do Imperador era sempre ocasião de alegria festiva. – Ora os cristãos assumiram este vocábulo para designar a segundo vinda de Cristo ao mundo a fim de consumar a história; Ele virá como Senhor, Kyrios, Imperador a fim de julgar o mundo e restaurar plenamente a ordem. 

Presbítero: ver Bispo. 

Promessa: no vocábulo paulino, é a promessa, feita por Deus a Abraão, de que sua posteridade seria numerosa e por ela todos os povos receberiam a bênção (= o Messias);      cf. Gl 3,16.18. Tal promessa se cumpriu em Cristo; cf. II Cor 1,20. 

Querigma: ver catecúmeno. 

Revelação: A Bíblia nos dá a saber que Deus falou aos homens comunicando-lhes o mistério da sua vida trinitária e o seu desígnio de salvação, centrado em Cristo Jesus. Nunca os homens chegariam por si a conhecer tais verdades. Por isto o judaísmo e o Cristianismo são religiões reveladas.  

A Bíblia contém a revelação de Deus aos homens, mas nem todas as páginas da Bíblia, embora inspiradas, são portadora de revelação divina. Note-se, por exemplo, que em Is 7,14 está predito que uma virgem conceberia e daria à luz um filho: isto foi consignado no texto sagrado por efeito de dois carismas (o da revelação e o da inspiração); mas, quando      Mt 1,20-23 e Lc 1,26-38 nos dizem que a virgem concebeu e deu à luz um filho, já não escrevem por efeito de revelação (o fato ocorrera e era notório), mas unicamente por efeito do dom da inspiração bíblica. – Toda profecia é fruto de revelação divina. 

As razões de diversidade de numeração são históricas e de pouca monta.

Em nossas aulas indicaremos sempre as duas numerações de cada salmo, quando as houver; a anterior será a da Vulgata, e a posterior a do texto hebraico. 

Satã ou Satanás: termo hebraico que significa “adversário”. Satã podia ser o indivíduo que diante de um tribunal exercesse o papel de acusador (cf. Sl 108,6). Tal vocábulo, aos poucos a partir do século V a.C., foi reservado a um anjo que Deus criou bom, mas que se perverteu pelo pecado e se tornou adversário ou tentador do gênero humano; cf. Jô 1,6-2,7; I Cr 21,1. Foi identificado com a serpente de Gn 3,1. (cf. Sb 2,24). Portanto Satã não é uma figura mitológica nem é a realidade neutra do Mal, mas é uma criatura inteligente, incorpórea, que o Criador fez para sua glória e que se afastou livremente de Deus; atualmente recebe do Senhor autorização para provar os homens, dando-lhes ocasião de acrisolar e corroborar a sua fidelidade a Deus; cf. Rm 16,20; Ef 6,16; I Pd 5,8. Com Satã muitos outros anjos se perverteram pelo pecado e são atualmente chamados “anjos maus” ou “demônios”. Estes estão subordinados a Deus; cf. Ap 12,7-17. S. Agostinho nos diz que Satã é um cão acorrentado, que pode latir fortemente, mas só consegue morder a quem se lhe chega perto ou a quem se lhe entrega.  

Semitas: são os descendentes de Sem, filhos de Noé; cf. Gn 10,22-30. Correspondem a diversos povos, entre os quais o hebreu ou israelita, o assírio, o babilônico, o etíope, o fenício, o púnico,m o moabítico, o aramaico. 

Sínodo: congresso de rabinos ou de bispos. Tenha-se em vista o Sínodo de Jâmnia ou Jabnes, no qual os rabinos, por volta de 100 a.C., definiram quatro critérios para reconhecer um livro sagrado como inspirado por Deus e canônico: fosse escrito em hebraico (não em aramaico nem em grego), na terra de Israel (não no estrangeiro), antes de Esdras (século V a.C.), em conformidade com a lei de Moisés. – Tenha-se em vista também o Sínodo de Trulos II (Constantinopla), que em 692 no Oriente definiu o cânon bíblico, incluindo os sete livros deuterocanônicos que os judeus em Jâmnia não aceitaram. 

Teofania: etimologicamente, manifestação de Deus, em grego. Ocorre, por exemplo, na sarça ardente em favor de Moisés (Ex 3,2), no final do livro de Jó (38,1-42,6), antes da paixão de Jesus (Jo 12,27-30). 

Testamento: A Bíblia consta de dois testamentos: o Antigo e o Novo. A razão desta divisão e nomenclatura é a seguinte: Os judeus, movidos pelo próprio Deus, designavam as suas relações com Javé como sendo um Berith       (= aliança); por isso falavam dos livros da aliança. Todavia, nos séculos III/II a. C., quando se fez a versão da Bíblia hebraica para o grego em Alexandria, os intérpretes traduziram Berith por diatheke (= disposição); queriam de esta maneira ressalvar a unicidade e soberania de Deus; na verdade, quem faz aliança com alguém, é par ou igual com esse alguém, ao passo que quem faz uma disposição é soberano ou Senhor. Assim os livros sagrados de Israel foram chamados livros da diatheke ou da disposição (de Deus em favor dos homens). Quando a palavra diatheke foi traduzida para o latim entre os cristãos, estes usaram o vocábulo testamentum (= disposição que se torna válida em caso de morte do testador). Recorreram à palavra testamentum, porque ficou comprovado que a disposição de Deus em favor dos homens só se tornou plenamente, válido e eficiente mediante a morte de Cristo. Assim os livros sagrados, entre os cristãos, foram distribuídos em duas categorias: os da Aliança (ou testamento) antiga e os da nova Aliança ou do novo Testamento; cf. II Cor 3,14s. 

Traduções gregas do Antigo Testamento. Além da tradução dita dos Setenta, que será apresentado no módulo III deste Curso (1ª Etapa), devem ser mencionadas as de Teodocião, Áquila e Símaco.  

Teodocião é um prosélito ou pagão convertido ao judaísmo, que traduziu o Antigo Testamento para o grego no século II d. C., a fim de tentar extinguir o uso do texto dos LXX. Esta tradução, realizada em Alexandria entre 250 e 100 a. C., era muito utilizada pelos Cristãos para provar a messianidade de Jesus. Visto que isto desagradava aos judeus, Teodocião se dispôs a fazer nova versão, que é mais propriamente uma versão retocada do texto dos LXX. O texto de Teodocião teve importância para os cristãos, pois a partir dele se fez a tradução latina dos partes deuterocanônicas do livro de Daniel. 

Áquila, também no século II, fez uma autêntica tradução grega do A. T. O seu texto se prende muito à letra do hebraico, esforçando-se por guardar em gregas expressões tipicamente semitas.  

Símaco é o terceiro tradutor do Antigo Testamento para o grego. A sua versão é mais livre do que as anteriores; procura levar em conta o espírito e as peculiaridades da língua grega. Tanto Símaco como Áquila tentavam suplantar o uso dos LXX.  

Vulgata é a tradução latina da Bíblia que se deve a S. Jerônimo (+ 421). No século IV era grande o número de traduções latinas das Escrituras, todavia apresentavam grandes deficiências de forma e de conteúdo. Por isso o Papa S. Damaso pediu a S. Jerônimo preparasse uma versão nova e fiel dos livros sagrados. Este sábio, de grande erudição na sua época, aplicou-se à tarefa entre 384 e 406. Não chegou a traduzir de novo o texto do Novo Testamento, mas fez a revisão dos textos já existentes cotejando-os com bons manuscritos gregos. Para traduzir o Antigo Testamento, Jerônimo estabeleceu-se na Terra Santa, onde aprendeu o hebraico com os rabinos e traduziu em Belém todo o Antigo Testamento, menos Br, I e II Mc, Eclo e Sb.

A tradução de S. Jerônimo aos poucos substituiu as anteriores, de modo a chamar-se Vulgata editio ou edição divulgada. Tornou a tradução oficial da Igreja até o Concílio do Vaticano II (1962-65). Todavia a tradução de S. Jerônimo não podia deixar de ter suas falhas, pois foi feita em época na qual não havia os recursos arqueológicos, históricos, lingüísticos. .. de nossos tempos. Por isso, após o Concílio do Vaticano II, Paulo VIU mandou refazer a tradução latina dos livros sagrados, que, uma vez pronta, é chamada a Neo-Vulgata. 

Obs.: Trata-se de uma cópia fiel do Curso de Formação bíblica da ESCOLA “MATER ECCLESIAE”, elaborado pelo Pe. Estevão Tavares Bettencourt O. S. B.







Nenhum comentário:

Postar um comentário